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"Mulheres de Cinzas!"
Capa comum:
344 páginas Editora: Companhia das Letras;
Edição: 1ª (16 de novembro de 2015) Idioma: Português ISBN-10: 8535926623 ISBN-13: 978-8535926620 Dimensões do produto: 20,8 x 14 x 1,8 cm
"Mulheres de Cinzas!"
Mulheres de Cinzas é o primeiro volume de uma trilogia chamada "As areias do imperador " nova empreitada do moçambicano Mia Couto. Este primeiro volume se passa na década de 1890, quando o Sul do Moçambique era governado por Gungunhane – o último imperador do chamado Estado de Gaza – um dos maiores impérios africanos da época. Os portugueses enviavam colonos à região desde 1600 sem, porém, conseguir estabelecer um domínio pleno sobre parte da população local que ainda mantinha suas tribos e seus costumes.
Para nos contar essa história, o autor alterna dois pontos de vistas que não poderiam ser mais diferentes entre si: o primeiro é o da jovem Imani da tribo VanChopi. O segundo é contado pelo Sargento Germano Melo, destacado pela Coroa ,para representar os interesses portugueses na fronteira com o Estado de Gaza, através de cartas que ele escreve para a Corte Portuguesa.
Mia Couto, mistura muito bem o misticismo da África (por falta de uma palavra melhor) com acontecimentos históricos. Imani é de uma família que se mantém fiel a Portugal, ela fala português quase sem sotaque e terá um papel importante para o Sargento Germano servindo como intérprete. Seu irmão mais novo, serve na casa do Sargento, também ,como mensageiro. Mas, a família acaba dividida quando seu irmão mais velho – Dubula – decide se juntar às forças que combatem os colonizadores. A família dividida é uma boa metáfora para a África que sofria com a guerra entre tribos e contra os colonizadores.
Por ser mulher, Imani carrega também todos os estigmas de seu gênero: naquele Moçambique, a mulher só se tornava alguém quando casava e tinha filhos. Até lá, era uma mulher em constante estado de espera pela chegada de seu destino e sua transformação em uma pessoa de verdade.
Através de suas cartas, Sargento Germano nos apresenta o viés do colonizador: os problemas de comunicação por não reconhecer a língua local, a excitação por estar um lugar no qual você pode se sentir superior àqueles que “não possuem almas” e os problemas do dia a dia, tais como :a falta de armas decentes e as ordens que eram desencontradas ou que demoravam muito para chegar.
A escrita de Mia Couto tange o realismo mágico – quase que se pode imaginar que ele mesmo o inventou ao contar as histórias dos fantasmas da África. E apesar de ter nascido na América Latina, a África também é um palco fantástico para esse gênero que mistura o real com o surreal.
Enquanto narra a história de dois impérios que chegam ao fim – o de Gaza e o Português – Mia Couto, nos apresenta uma história que foi escrita por diversas mãos, com muitos corpos, tragédias e inúmeros pontos de vista. Quem ganhou e quem perdeu já não se sabe e também não é relevante. A experiência de ler um Mia Couto inspirado assim supera qualquer dúvida que paire no ar.
A estrada é uma espada. A sua lâmina rasga o corpo da Terra. Não tarda que a nossa nação seja um emaranhado de cicatrizes, um mapa feito de tantos golpes que nos orgulharemos mais das feridas que do corpo intacto que ainda conseguimos salvar.
Quando dali tentava escapar, escondido num pequeno barco, o Ribeiro foi capturado e morto. Executaram-no, em público, quebrando-lhe o pescoço. O que fizeram as autoridades portuguesas em resposta a esse ultraje? Ignoraram o assunto. O seu sucessor na governação apresentou desculpas antecipadas ao rei Zulu, argumentando que a colônia estava pobre e os cofres vazios de Lisboa não permitiam pagar os impostos ao imperador Zulu. Posturas de covardia como esta apenas legitimam a pretensão imperialista dos ingleses em provar que Portugal não tem condição para governar suas colônias africanas. Não sei se odeio mais a ambição inglesa ou a vergonhosa submissa das nossas autoridades. [pág. 83]
Talvez tenha sido por isso que parti em socorro na nossa honra e defendi o uso de tradutores como nossa política nos territórios africanos. Falar e fazer falar português fazia parte da nossa missão civilizadora. Sempre acintoso, o cantoneiro advertiu sobre a ingenuidade de confiarmos nos tradutores. A mesma fatal credulidade nos fazia distribuir armamento entre os cafres que tínhamos por nossos aliados. A sentença do desvairado merceeiro não podia ser mais trágica: ‘Havemos de ser mortos com as mesmas espingardas que colocarmos nas mãos deles. E a ordem de matança será dada em português, na língua que colocamos na boca deles.’ [pág. 103]
Na verdade, Excelência, eu não adoeci em África, como todos os demais. Eu adoeci de Portugal. E minha doença não é senão o declínio e a podridão da minha Terra. Eça de Queiroz escreveu ‘Portugal acabou’. Ao escrever essas palavras diz ele que lhe vieram lágrimas aos olhos. É essa a minha e a sua doença: a nossa pátria sem futuro, vazada pela ganância de um punhado, dobrada sob os caprichos da Inglaterra. [pág. 315]...
Maria Augusta da Silva Caliari
Enviado por Maria Augusta da Silva Caliari em 01/01/2022
Alterado em 01/01/2022
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